Conhecido como a obra prima da Amazônia, o Pará poderá se desfazer em pedaços e virar uma página da história brasileira. No dia 11 de dezembro, seus 4,8 milhões de eleitores vão às urnas escolher se aceitam ou não a divisão do território, criando os Estados de Tapajós, Carajás e o chamado Novo Pará. Apesar de ainda não ter decolado, a campanha para o desmembramento das regiões sul e oeste começa a mexer com os paraenses.
Nas ruas da capital, Belém, a bandeira vermelha com a faixa branca e estrela azul no centro se fortifica, estampando adesivos contra a separação em carros e no tradicional mercado do Ver-o-Peso, em painéis próximos à Praça da República ou em camisetas de camelôs. Em Belém e na região metropolitana, que concentram cerca da metade do eleitorado paraense, praticamente ainda nada se vê da campanha pró separação. As discussões se concentram, por enquanto, em debates entre estudiosos, autoridades e nos gabinetes políticos.
No interior do Estado, no entanto, o verde e o amarelo, cores escolhidas pelas lideranças para marcar as campanhas a favor da separação tomam conta das ruas. A mobilização se concentra principalmente em Santarém e Marabá, as prováveis futuras capitais de Tapajós e Carajás, respectivamente. Para torná-la mais forte, os separatistas dos dois territórios resolveram unir forças e montar uma campanha conjunta.
A primeira demonstração do embate frente a frente veio na partida da Seleção Brasileira contra a Argentina, na última quarta-feira, quando vários torcedores levaram para o estádio do Mangueirão bandeiras e adesivos mostrando suas preferências entre o 77, número que representa o "sim" nas urnas, e o 55, o número do "não".
O grande desafio das frentes criadas para defender suas posições é fazer com que a população entenda o tamanho das mudanças. Sem as propagandas na TV e no rádio, que se iniciam somente em novembro, as lideranças se esforçam para convencer apresentando dezenas de números e estudos. Mas, nas ruas, ainda é comum encontrar pessoas que não sabem que haverá a eleição, ou que sequer conhecem o significado da palavra plebiscito.
As posições
Em um debate promovido pela Associação Brasileira dos Jornalistas de Turismo (Abrajet), na semana passada, o cientista político Roberto Corrêa, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), afirmou que a divisão fortaleceria a força política da região que teria o reforço de mais dois governadores, seis senadores e dezenas de deputados. Ele ressalva, no entanto, o risco de os dois novos Estados ficarem dependentes dos recursos do governo federal, sem criar caminhos de desenvolvimento próprios. Para ele, o processo ainda está centralizado nos setores políticos, principalmente aqueles que almejam destaque maior, sem a sombra da elite de Belém. O envolvimento direto do povo permanece periférico.
Contrário ao desmembramento, o cientista político paraense Edir Vargas, também da UFPA, reconhece a ausência de ações do governo nas regiões do Tapajós e Carajás, o principal argumento das lideranças separatistas. Mas atesta isso a uma política secular brasileira em concentrar os investimentos em regiões com maior população. Para ele, os Estados precisam lutar pela melhor repartição dos impostos e, com isso, investir com mais equilíbrio nas iniciativas sociais, como saúde, educação e habitação.
"Serão necessários centenas de milhões para construir toda a logística dos aparelhos de Estado, com palácios, tribunais, assembleias, contratação de funcionários. Essas regiões poderão ficar como o Amapá, que há mais de 20 anos depende do repasse do governo federal. Não tem economia e é dominado por uma elite política", aponta.
Para ele, a criação dos novos Estados não vai resolver os problemas estruturais. "A lógica do crescimento econômico concentrado na região metropolitana e em torno dos grandes empreendimentos industriais se repetirá e os cidadãos da maioria dos municípios continuarão esquecidos, afinal são as tradicionais elites que se preparam para comandar".
O publicitário e professor Márcio Macedo, um dos coordenadores da frente pró-Tapajós na região metropolitana, afirma que a oposição ao desmembramento criou mitos sobre a inviabilidade de Tapajós e Carajás. Para ele, a criação de novos cargos e estruturas governamentais seriam sustentadas pelos PIBs regionais e, futuramente, se reverteriam em força política. Segundo Machado, a concentração de recursos em Belém e cidades dos arredores atrasa todo o Estado. "Cerca de 83% dos médicos estão em Belém, 96% dos funcionários públicos também estão na região da capital", lamenta. Ele aponta que a falência do Pará, com a perda dos territórios, é um dos maiores mitos. "Somente 16% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) é repassado para Tapajós e Carajás. O resto fica no Pará", destaca.